Por Roberta Prescott
Edição 170 – Setembro/2015

Cota Ambiental, edifícios-garage, e Zonas Corredores são acertos da proposta de lei de uso e ocupação do solo em São Paulo, na avaliação de empresários, mas limitações de gabarito e do tamanho dos lotes preocupam.

O projeto de lei (PL) 272/2015, que revisa a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Paulo, está no centro das discussões em torno do desenvolvimento urbano da cidade. Resultado de um processo participativo com 7.226 intervenções, a proposta, que tem como objetivo complementar o novo Plano Diretor Estratégico (PDE), foi encaminhada à Câmara dos Vereadores em 2 de junho e, desde então, tem motivado audiências públicas. As reuniões vão ocorrer até 18 de novembro, e a expectativa é de que o PL seja votado em dezembro.

O mercado imobiliário acompanha de perto o andamento dos debates, ao mesmo tempo confiante e temeroso. Profissionais consultados pela Construção Mercado consideram benéficos pontos como a Cota Ambiental, o incentivo aos edifícios-garagem e as Zonas Corredores, por exemplo. Já propostas como o tamanho máximo dos lotes desagradam. Conheça como as novidades da Lei de Zoneamento podem interferir na atividade do setor.

Cota Ambiental

Lotes com mais de 500 m² terão de atingir uma cota ambiental para obterem o licenciamento. Tratase de uma pontuação mínima que leva em conta parâmetros de vegetação e permeabilidade do solo, variando em função das especificidades de cada região (veja quadro ao lado).

A proposta, descrita do artigo 71 ao 80, tem ainda incentivos para empreendimentos com pontuação superior ao mínimo exigido, como descontos no valor das contrapartidas financeiras em outorgas onerosas, ou para aqueles com soluções sustentáveis comprovadas por certificação.

Claudio Bernardes, presidente do SecoviSP, acredita que as ideias são positivas, mas observa que os critérios pontuáveis, como plantio de árvores, área semipermeável e reúso de água, são poucos. "Deveria haver mais critérios, como uso de fontes alternativas de energia e descontaminação do solo. Não é difícil atingir o mínimo."

Para Marcel Branco, do departamento de planejamento e desenvolvimento urbano da Porte Engenharia e Urbanismo, esse instrumento tem uma clara intenção de mitigar os impactos ambientais urbanos, o que seria um marco importante para São Paulo. "Esperamos que a forma de calcular a Cota Ambiental seja bem calibrada, de forma que o custo de suas exigências não cause grande impacto no preço final dos produtos, afirma."


Uso misto

A orientação do PDE para o desenvolvimento imobiliário no entorno dos eixos de mobilidade foi estruturada no artigo 7o do PL, como as Zonas Eixo de Estruturação da Transformação Urbana (ZEU), que incluem também as áreas que ainda terão incremento de infraestrutura de transporte coletivo (ZEUP) e as que fazem parte da macrozona de proteção e recuperação ambiental (ZEUa e ZEUPa). A lei de zonea mento, nesse sentido, ratifica as medidas aprovadas no Plano, sem grandes novidades para as empresas.

"O mercado como um todo – construtores, incorporadores, imobiliárias – deve se adaptar a esta realidade, assumir uma nova postura e entender como se comunicar. É um caminho sem volta, o caminho para um modelo de cidade sustentável", diz Mônica Barros, da área de inteligência de mercado da Porte Engenharia e Urbanismo.

Inéditas mesmo são as Zonas Corredores (ZCOR), previstas no artigo 10 do PL 272/5015. Elas correspondem a lotes lindeiros às Zonas Exclusivamente Residenciais (ZER) ou Zonas Predominantemente Residenciais (ZPR) que fazem frente para vias de estruturação local ou regional, onde a intenção é promover usos não residenciais, com densidades demográfica e construtiva baixas.

Associações de moradores já questionaram as ZCOR, mas o mercado as entende como um avanço. Charles Nader, diretor da Nader Engenharia Imobiliária, diz que a tendência urbanística atual é de aproximar os serviços das residências, evitando permanentes e longos deslocamentos. Bernardes também vê com bons olhos a medida, apenas com uma ressalva: "Deve-se garantir que o comércio seja de conveniência".

Sem questionar o caráter misto, a Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA) defende que as ZCOR sejam cuidadosamente revistas e adequadas à realidade e às especificidades dos bairros. "Há corredores propostos ao longo de largas e movimentadas vias estruturais de ambos os lados da via, ao mesmo tempo em que existem zonas corredores em vias locais e estreitas de um lado da via somente, confrontando sua face de quadra com Zonas Eixo de Estruturação Urbana (ZEU). Isso precisa ser corrigido", diz Adriana Levisky, vice-presidente da entidade em São Paulo.

Tamanho máximo de lote 

A prefeitura impôs no PL limites ao tamanho dos lotes, com finalidade de adequar a inserção de empreendimentos de médio e grande porte nas regiões, evitando a descontinuidade do sistema viário. De acordo com a proposta, a área máxima dos lotes será de 15 mil m², e a área de lotes ou glebas a serem parceladas variarão entre 10 mil m² e 15 mil m², exceto para os loteamentos.

O artigo 81 determina ainda que lotes com área superior a 10 mil m² e de até 15 mil m² em zonas eixo de estruturação da transformação urbana, zonas de centralidade, mistas, de desenvolvimento econômico e zonas predominantemente industriais tenham de oferecer ao menos 20% da área para fruição pública nos empreendimentos de usos não residenciais, além de ter restrições para a vedação dos terrenos com muros (limite de até 25% da testada) e oferecer fachada ativa (no mínimo, 25% da testada).

"O PL trouxe redução que inviabilizaria empreendimentos como o Jardim das Perdizes (megaprojeto em um terreno de 250 mil m² na zona Oeste). Esse tipo de empreendimento, quando prevê fruição pública, traz benefícios para os usuários, condôminos e população em geral. E para a cidade, que ganha um espaço de uso público sem o ônus de manutenção e segurança", diz Nader.

O setor considera que a lei poderia prever passagens permanentes obrigatórias por dentro dos lotes, em vez de limitá- los. "Como está hoje, a trama do sistema viário e a disposição das quadras mostrarão que o tamanho máximo proposto não é capaz de trazer ao pedestre o conforto pretendido", explica Branco, da Porte.


Gabarito

Adriana Levisky, da AsBEA, diz haver uma clara diretriz de controle do adensamento em São Paulo, induzido pela restrição do potencial construtivo em até duas vezes a área do terreno fora dos eixos, pela limitação do gabarito de altura e pelo alto custo da área construída adicional mensurada por meio da outorga onerosa.

Para Bernardes, do Secovi-SP, será difícil viabilizar empreendimentos com gabarito restrito a, no máximo, 28 m. De acordo com o PL 272, apenas a ZEU, as diferentes Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e a Zonas de Centralidade lindeiras às ZEIS (ZC-ZEIS) não respondem a essa regra. Já o artigo 59 permite alturas superiores às previstas na lei somente em caráter de exceção.

"Resta aos desenvolvedores de imóveis maiores que 80 m² mudar o foco e mergulhar na disputa pelas poucas áreas das ZEUs ou sair para os municípios vizinhos. O primeiro movimento acirra a disputa pelas áreas do eixo, provocando alta imediata do custo dos terrenos. O segundo liquida o princípio do PDE de resolver a mobilidade urbana, pois essas pessoas continuarão a trabalhar na capital", acrescenta Nader.

"Deveria haver mais critérios (para que as empresas atinjam a cota ambiental), como uso de fontes alternativas de energia e descontaminação do solo. Não é difícil atingir o mínimo" (Claudio Bernardes presidente do Secovi-SP)

ZEIS

O novo Plano Diretor determinou que 60% da área construída nas ZEIS dos tipos 1, 2, 3 e 4 fossem destinadas para empreendimentos de Habitação de Interesse Social (HIS) da faixa 1, voltada para atender famílias com renda de até três salários mínimos. Por essa razão, na avaliação de empresários, a produção de moradias pela iniciativa privada deve ficar restrita à ZEIS 5 – caracterizada por áreas vazias ou subutilizadas, bem dotadas de infraestrutura e onde é possível construir HIS (mínimo de 40% da área construída) e Habitações de Mercado Popular (HMP).

Com as Zonas Mistas de Interesse Social (ZMIS) e as ZC-ZEIS, o objetivo da lei é fomentar os usos não residenciais e a geração de empregos nos bairros com predominância da população de baixa renda, muitos deles na periferia. Para o mercado significa um avanço em relação às ZEIS simples. Contudo, de acordo com Branco, da Porte, elas podem enfrentar dificuldades do ponto de vista da viabilidade de negócios.

Edifícios-Garagem 

O incentivo para a construção de edifícios- garagem no entorno de estações de integração e/ou nas extremidades das linhas de trem e ônibus é bem aceito pelo setor. Os empresários acreditam que a liberação do pagamento de outorga onerosa será fundamental para estimular o mercado – o artigo 114 do PL prevê esse benefício desde que as áreas edificadas nos pavimentos de acesso dos prédios sejam destinadas a usos não residenciais, com fachada ativa, e que seja aplicada no mínimo 50% de cobertura verde na edificação.

Para Adriana, da AsBEA, o desenvolvimento dos edifícios-garagem será essencial para garantir viabilidade às zonas com restrição de estacionamento: os residenciais nas zonas eixo de transformação urbana e nas zonas de estruturação metropolitana poderão ter, no máximo, uma vaga. "Sem um suporte de edifícios-garagem, estrategicamente colocados e combinados à qualificação e interligação dos modais de transporte público, parece longínquo o equilíbrio."

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